domingo, 25 de abril de 2010

Uma Noite Ímpar


(crônica de estilo descaradamente cretino)

I. Da introdução

Quando um bar está muito cheio, normalmente as pessoas esperam um pouco até liberar uma mesa. Não demoraria demais, não havia muita gente de pé. Mesmo assim, o outro bar tinha uns amigos cuja companhia me agrada.

II. De uma lembrança

Quanto eu tinha uns 16 anos, frequentava festas de rock. Muita gente de preto, muita bebida, muito rock mal tocado.

III. De outra lembrança

Um ex amigo me emprestou um CD, o qual não devolvi no prazo estipulado.

IV. Do outro bar

Muita gente de preto. O blues é bem tocado. Um primeiro bêbado tenta se apoiar numa lixeira. No chão, o primeiro bêbado e a lixeira. Estou conversando com um homem que tem cabelo de um lado e é careca do outro. O bigodinho é novo: eu digo que lembra Hitler. Ele observa que seis pessoas já disseram isso, que ele está fazendo uma contagem. Outros disseram que ele parece Chaplin. Que se eu via Hitler eu deveria repensar as coisas pelas quais me interesso. O primeiro bêbado se aproxima: “desculpa, não queria incomodar... é foda... tô de cara... mulher, você sabe, é foda... tô de cara”. É foda.

V. De um adendo à outra lembrança

O ex amigo tem amigos. Muitos. Roqueiros. Que sabem que não devolvi o CD. Vestem preto.

VI. De um sufoco

Existe um caixão encostado numa parede. A namorada do amigo entra no caixão e sai rápido: “sufoca”, observa.

VII. De um pingente

Um homem se pendura na luminária. É o homem que Chaplin me apresentou como dono do bar. Ele está pulando em cima da bancada de atendimento. Os clientes vão ao delírio. A banda vai ao delírio. Ele vai ao delírio. Ele bate a cabeça no teto. Eu vou ao banheiro.

VIII. Do banheiro

Nos acampamentos, banheiros e cinzeiros são o mundo todo: um carreirinho por entre o matagal que abre numa clareira. Eis o banheiro do bar. Existe outra opção: aguardar uns 40 minutos no único banheiro construído para esse fim. Unissex.

IX. De um temor

“Talvez eu morra”. Este é o tom da mensagem de celular que enviei.

X. De uma gordinha

Estou voltando do caixa para a mesa onde estava sentado. Há duas portas. Pretendo sair pela porta da esquerda. Uma gordinha dá um passo à esquerda. Desvio. Ela dá outro passo à esquerda. Passo.

XI. De uma expulsão

Um homem não seguiu as regras do bar (desconheço). É expulso gentilmente.

XII. De uma observação pertinente

“É o que dá se envolver com juvenil”, diz a namorada do expulso.

XIII. De um intelectual

Chaplin está lendo um livro de Paulo Leminski num canto do bar.

XIV. De um esportista

A multidão se abre. Não é briga. Chaplin passa pedalando (!) em meio à multidão.

XV. De uma decisão

Vamos embora.

XVI. Do primeiro bar

Um homem grita na mesa de trás. “Essa não, essa me faz lembrar minha amada. Aí eu tenho vontade de chorar. Toca outra, toca outra”. A dupla prossegue.

XVII. Da quase conclusão

Um carro está batido num poste. Volto para verificar se o motorista está vivo. Está vivo. E bêbado. E ao celular. “Bati o carro num poste, pô. Bateu, tá batido. Não estou te ligando pra ouvir opinião. To sozinho, agora chegou uns amigo meu aqui”. Pra mim: “mulher é foda.”

XVIII. Da conclusão

Vou abrir um blog.

5 comentários:

  1. seguirei o blog. continue a escrever crônicas de estilo descaradamente cretinas, e acima de tudo, originais como a primeira apresentada.

    Nelí

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  2. Sandi, valeu! Tanto pela criação do blog quanto pela crônica. Ao lê-la, lembrei de um videoclipe que conheço e achei que ele é a representação perfeita das cenas da tua crônica.

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  3. Muito bom Sandi. Confuso e onírico como toda boa balada. Lembrou o desencadeamento do "After-hour" do Scorcese.

    Ansioso pelo que vem pela frente.

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  4. pois é... ela entrou em um caixão! UM CAIXÃO!

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