Capítulo VII
Após alguns dias de intenso trabalho, noites sem dormir, refeições feitas às pressas e imprensa no meu encalço, resolvi comemorar com minha equipe mais uma vitória no tribunal em um bar qualquer dos Jardins. Comemorava não só aquela vitória, mas todo um período de prosperidade e ascensão profissional. Eu era o homem da vez, o advogado que todos queriam ver, ouvir e ter ao lado. Eu era um sucesso: invejado, respeitado, admirado por colegas, mestres e alunos.
Comemorando, entre ema bebida e outra, entre risos e tapinhas nas costas, disfarçava uma angústia crescente, um incomodo íntimo que me fazia sentir como se vestisse uma camisa três números menores que o meu, como se as paredes ao meu redor estivessem se fechando. Esse incomodo, meu filho, vinha daqueles olhos que me olharam fixos durante o julgamento, que por um segundo pensei terem me reconhecido e que nesse segundo fez ressurgir todo meu passado.
Eu tentava. Tentava não pensar, não lembrar, mas ela estava ali e quanto mais bebia, mas eu a via, mas longe no tempo eu era levado. De repente voltar para casa, para os braços de sua mãe era a última coisa que eu queria fazer e naquela noite não o fiz.
Saí do bar e me perdi pelas ruas da cidade, dirigi durante horas, sem rumo em uma rota de fuga que não levava a lugar nenhum porque inútil fugir de mim mesmo e do meu passado. Parei quando não podia mais manter minhas mãos presas ao volante, quando meus olhos não mais podiam manter-se abertos e entrei numa padaria qualquer. Já amanhecia, a cidade acordava e o movimento no balcão era intenso. Pedi um café, minha cabeça girava, alucinado via em todos os rostos aqueles olhos azuis, profundos, grandes e tive certeza de que aquela mulher não me deixaria em paz.
Eu precisava descobrir quem era ela, quem era a mulher em cadeira de rodas, pele e olhar fenecidos e mãos abandonadas, inertes nas coxas, mas que no entanto ainda erguia, altiva os mesmos olhos voluptuosos. Era preciso voltar ao inferno pelo tortuosos caminhos do paraíso.
Das semanas que se seguiram só me lembro do cheiro úmido do quarto de hotel, da minha cara amassada no espelho, dos telefonemas conformados de sua mãe, da busca frenética por pistas e rastros daquela mulher. Não me lembro do quanto gastei, das desculpas que dei para a ausência aos inúmeros compromissos. Era como se o mundo tivesse parado até o momento em que finalmente estacionei o carro em frente aquela casa na Serra da Cantareira, toquei a campainha e tudo começou a fazer sentido.
(Tânia, muito obrigado. Benedito, o próximo: boa sorte.)