sexta-feira, 2 de julho de 2010

Quinto Capítulo

(Com um pouco de atraso, é verdade, mas temos a honra de publicar o quinto capítulo dessa emocionanete novela literária. Foi escrito pela Sandra Schamas, que colocou na roda a Bruna Nhering, para fazer o sexto capítulo. Aproveitem.)

Capítulo V

Insone

Ela estava com um grupo de estudantes do segundo ano e alguém nos apresentou. À noite, insone, eu vasculhava os lençóis e revirava o travesseiro quente, pensando nela. Perdi a noite sem chegar à nenhuma conclusão sobre o que me atraía em Simone.

No dia seguinte, na faculdade fiquei distante, esperando que ela me abordasse. Quando finalmente se aproximou, me olhou como quem olha um sapo morto e disse que precisava de umas aulas particulares de Teoria e Filosofia do Direito. Aceitei. Fui até o apartamento que ela dividia com uma amiga, sentamos frente a frente à mesa da sala de jantar. O relógio de parede tiquetaqueava lento e eu podia ouvir o som do meu deglutir. Na primeira aula, em nenhum momento ela levantou o olhar enquanto lia pausadamente o texto que eu indicara. Aquela voz suave entrava em  mim como uma doença, impregnando meu corpo e fazendo minha cabeça girar. Lembro-me muito bem de ter pedido um copo de água, ela foi até a cozinha descalça e voltou com o copo na mão. Fiquei perturbado.

Nas aulas seguintes, a mesma coisa: a sala de jantar, o relógio, o copo de água, a maldita indiferença. Mas, um dia, quando me levantei para ir embora, ela também se levantou, passou a mão nos quadris, nas coxas e perguntou se eu queria ir até o quarto. Assustei, mas fui atrás dela. O papel de parede era de flores verde limão e laranja, acima da colcha indiana havia um móbile e perto da janela, pôsteres do Jimmy Hendrix e Che Guevara. Ela revirou uma gaveta, pegou fósforos e um saquinho plástico. Ligou a vitrola portátil e pôs um LP de vinil importado: Rolling Stones. Depois acendeu um incenso e as velas que decoravam a cômoda, atirou-se na cama, ajeitou as almofadas, acendeu o baseado com toda a calma do mundo e comungou-o comigo. Pouco tempo depois, estávamos entregues a um desejo desatinado, o que não me impediu de olhar bem dentro dos seus olhos enquanto a beijava. I can't get no satisfaction  I can't get no satisfaction 'Cause I try and I try and I try and I try I can't get no, I can't get no…

E assim foram algumas tardes de estudo e, quando percebi, estava totalmente obcecado. Eram tempos difíceis de ditadura, principalmente no Largo São Francisco, onde os estudantes se reuniam para protestos e, quase sempre, acabavam na cadeia. As pessoas desapareciam, o DOPS – que era o temível Departamento de Ordem Política e Social – invadia a casa das pessoas atrás de ‘subversivos’, era muito difícil a gente se reunir. Entretanto, as tardes no apartamento de Simone me faziam esquecer a repressão que engrossava o ar. Totalmente iludido num conceito ultrapassado de que ela era a mulher da minha vida, resolvi aparecer sem avisar. A porta estava aberta, estranhei. Pensei em deixar um bilhete sobre a mesa. Teria sido melhor. O som alto vinha do quarto dela. Fui até lá para testemunhar uma cena conhecida,  como se eu mesmo fosse o protagonista dela. Assisti tudo até o final, achando que aquele homem só podia ser eu e que ela era só minha. Fiquei até que os olhos dela encontrassem o meus.

Simone era a imagem da contracultura, da era ‘paz e amor’. Adepta ao amor livre, ela me fez reavaliar o que eu achava que era liberdade. Por um tempo, fiquei sozinho. Senti na pele o desprezo, aquele mesmo que eu adorava dar e, sem saber direito quem eu era, me esgueirei nos movimentos contra a ditadura, talvez imbuído pela sensação de deslocamento que Simone me deixou. Participava de manifestações e passeatas, queria, como muitos, ver um mundo mais justo.

Numa quinta-feira, eram onze da noite, perto da faculdade os estudantes protestavam , batiam nos vidros dos carros, gritavam:  “Mais pão, menos canhão!” Simone passou cortando a multidão, de certo queria atravessar o largo para pegar o ônibus, pois não fazia parte daquele tumulto. Fingi que não vi. De repente, a polícia!  Corre-corre, pancadaria, levei uma cacetada bem na sobrancelha. Tirei a camisa, coloquei em cima do ferimento que sangrava muito e me escondi entre dois carros até a confusão se acalmar. Veio ambulância. Quando cheguei perto tentando pedir ajuda, lá estava a maca sendo colocada no interior do veículo e em cima, o corpo de Simone.

(Sandra, muito obrigado! Bruna, boa sorte.)

2 comentários:

  1. Muito bom o texto!
    Estou gostando da continuação... e dos rumos da saga!
    Beijo

    http://meninamisteriosa.wordpress.com

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  2. Sandrinha,

    Quanta perdição em um único par de olho! Perdi o fôlego... Aí você veio com o último parágrafo e eu roí a mesa de raiva. E toca esperar o sexto capítulo...

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