quarta-feira, 9 de junho de 2010

Segundo Capítulo

(Eis que temos a honra de publicar o segundo capítulo do romance que está abalando as estruturas da cultura brasileira e dividindo águas na literatura mundial. A contribuição abaixo é da Menina Misteriosa, que escolheu, para continuar a saga de nossos heroicos personagens, a Ana Marques, que publica seus textos aqui e aqui. Deleite-se.)

Capítulo II 

Nas ruínas, sentimentos eram as mercadorias

E assim, eu cresci. Cercado pelo mistério das construções de nosso bairro e da minha procedência. Seguindo o exemplo de meu pai e observando a atitude sécia de minha mãe, aprendi a negociar, manter as aparências e usar minhas virtudes para conseguir o que queria.

Recebíamos poucas visitas. Apenas os amigos da igreja faziam companhia a ela, em tardes indistintas e lânguidas. Ela nunca me ensinou a rezar. Mas a pontualidade da fé sempre me instigou. E cintilava meu dia, já que, durante a presença de estranhos, eu poderia parar de estudar e ainda ganhava alguns trocados, desde que fosse, imediatamente, à venda, gastá-los.

Meu pai era escasso em atributos físicos. Baixinho, franzino. Seus cabelos, bem tratados, brilhavam, mas havia indícios de que não durariam. Óculos fundos. A compensação vinha do sobrenome, da educação, da inteligência e, claro, da confortável situação financeira. Eu admirava seu senso de humor apurado, seu gosto pela leitura. O oposto de minha mãe.

Um dia, questionei-o acerca das viagens, e aprendi sobre algo que ele estava prestes a perder. ‘Um homem precisa se sentir livre’, dizia ele. E ele sempre o foi, até conhecê-la.

Acostumei-me a receber o que eu achava ser amor, como recompensa. Aos domingos, após o almoço, sentava em seu colo e relatava minha semana, estudos, descobertas e, principalmente, as atividades religiosas de minha mãe.

Ele, logo depois, confrontava-a. Eu ainda não entendia, mas a retribuição me confortava.

Ele sempre cedia. Ela, manhosa, conduzia-o com maestria. E ele sabia. Inclusive que, para não perdê-la, sustento e luxo não eram suficientes. Mais presença se fazia necessária. A frequência e a duração de suas viagens diminuíram. Bem como as preces vespertinas; porém, nenhuma das duas cessou.

A ambição de minha mãe gritava, exigindo que se precavesse. Preocupava-se não com meu bem estar e sim com seu próprio. Como o matrimônio estava fora de cogitação – vim a saber que meu pai já era casado – eu era, então, sua única esperança. Ela exigiu que ele me reconhecesse como filho lídimo, caso contrário, o abandonaria. Ele, então, o fez.

Fomos a um cartório de nome imponente, numa rua sem saída, de paralelepípedos. Lembro do cheiro de velho e da minha mãe dizendo que, por ser no dia do meu aniversário, não ganharia presentes. E esse me bastava: meu renascimento. Uma nova origem. A mim, agora, pouco importava a antiga. Eu conseguira um pai, na certidão.

Nesse instante, não só a nossa história – minha e de minha mãe – começou a mudar. A de meu pai, agora legítimo, também.

(À Menina Misteriosa, nosso muito obrigado. À Ana Marques, boa sorte.)

Um comentário:

  1. Menina,

    Tua parte foi linda. E a moeda de troca segue adiante...

    :)

    beijo pra ti

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