terça-feira, 4 de maio de 2010

Pombas

(conto que minha professora chamou de irritante no mau sentido. não ligo, era uma professora má - no bom sentido.)

O aposentado está sentado no banco de uma praça. Distribui grãos de tom levemente alaranjado às pombas. Uma brisa lhe bagunça o cabelo branco e escasso: ele levanta a cabeça. Identifica um grupo de pessoas que caminha em sua direção. Pensa que talvez estejam indo ao teatro que se pode divisar às suas costas. Mas o grupo olha para ele, e as pessoas parecem sorrir. Estudantes, talvez. Na sua visão já danificada parece perceber uma criança no grupo. A criança veste uma roupa clara, como quase todos ao seu redor. Não são estudantes, o grupo tem pessoas de várias idades. Poderia ser uma família, mas também os tipos são diversos demais, e de fato olham para ele, e sorriem. O aposentado vê quando um deles aproxima-se mais que os outros, mais rápido. Parece ser um advogado, pelo jeito de andar. Os dois sorriem. O advogado agacha-se diante do aposentado. O restante do grupo aproxima-se. A criança tem um sorriso curioso e excitado. O advogado olha fixamente nos olhos do aposentado - está na hora - e desfere-lhe violentamente o primeiro golpe, de punho fechado, na maçã esquerda do rosto.

O gesto parece ser um sinal de largada, o restante do grupo corre na direção do velho, vários golpes na cabeça e tórax. A criança continua sorrindo, mesmo quando uma mulher de meia-idade usa um pesado pedaço de madeira para dar fim à agressão. Uma derradeira pancada seca, os olhos do aposentado sangram, e ele é agora apenas um corpo. O advogado arrasta o velho para longe do banco. Volta rindo e coloca no lugar do velho a criança, sorridente majestade.

Todos vão embora, exceto a criança, que pega do bolso um saquinho de grãos levemente alaranjados e começa a distribuir às pombas.

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